Dentre as diversas e imprescindíveis funções do inconsciente, está a capacidade de executar tarefas automaticamente, e portanto, de forma muito mais rápida do que se fosse realizada pelo consciente[1][i]. Isso ocorre também com a avaliação quantitativa dos números e dos preços[ii]. Neste caso, duas informações são lidas instantaneamente pelo inconsciente de qualquer um/a que tenha aprendido o suficiente de aritmética para poder comparar dois números:
- O número de casas decimais antes da vírgula
- O algarismo da casa mais à esquerda
Não por acaso, elas também são as duas principais informações que a notação posicional nos disponibiliza. Notação posicional? Esse é mais outro conceito que parece complicado pelo nome, mas é de simplicidade e utilidade tamanhas, que quem não é do ramo (da matemática) não percebe a importância de uma das maiores descobertas que a espécie Homo sapiens já fez. Sem exagero. Simplesmente, a posição dos algarismos em um número faz a diferença na notação posicional.
E como faz. Graças a ela, nós precisamos de pouquíssimo tempo para chegar à conclusão de que 91 (noventa e um) é muito maior de que 19 (dezenove)[2]. Isso porque, nosso inconsciente sabe o valor do algarismo da casa mais à esquerda. Apenas comparando o ‘9’ do 91 com o ‘1’ do 19, o inconsciente já consegue descobrir qual dos dois números é o maior, e se ele é considerável maior do que o outro. Tudo, em mera fração de segundo. Intuitivamente sabemos: a importância da casa decimal mais à esquerda e que nela se encontra o algarismo que mais influência o valor de um número.
Assim como na leitura das palavras no português, os números são lidos da esquerda para a direita[3][iii]. Daí a casa decimal mais à esquerda ser conhecida como primeira casa. Curiosamente, o algarismo da primeira casa, apesar do nome, é a segunda informação mais relevante a respeito do valor de um número (e de um preço).
A informação mais relevante é a ordem da grandeza, traduzida como a quantidade de casas decimais antes da vírgula. No caso dos preços, o inconsciente também absorve essa informação instantaneamente. Isto porque a vírgula sempre aparece em uma determinada posição. Nos preços em reais, a vírgula se localiza entre a antepenúltima e a penúltima casa. Chamamos as duas casas que vêm depois da vírgula de centavos[4][iv].
Se o número de casas depois da vírgula é fixo, o número de casas antes da vírgula é variável e indica a ordem de grandeza do valor a ser pago. O inconsciente percebe – num piscar de olhos – que um preço com uma maior ordem de grandeza, é claramente maior do que outro. Não há dúvida que centenas de reais são mais do que dezenas de reais[5]. Quem não sabe que R$ 250,00 é maior do que R$ 80,00? Sabemos também – sem a necessidade de estarmos conscientes ao fato – que R$ 100,00 é maior do que R$ 99,99 (ainda que o inconsciente dificilmente perceba a insignificância desta diferença, sem o devido treinamento).
Baseando-se somente na informação sobre o número de casas antes da vírgula e na informação sobre o algarismo da primeira casa, o inconsciente pode fazer boas estimativas de preços como R$ 5.187,26 – um valor meramente ilustrativo e que nos acompanhará nas próximas páginas – mas também se torna presa fácil para a precificação psicológica.
[1] E sem stress. Pois, o inconsciente lida com um volume de informações inimaginavelmente maior do que o consciente. Enquanto esse último processa, no máximo, algumas dezenas de informações por segundo, o inconsciente administra milhões de informações que recebemos através dos nossos órgãos sensoriais a cada mero segundo.
[2] Quase cinco vezes (4,8) para falar a verdade. Dentre as permutações com números de dois algarismos, 19 ↔ 91 é a mais drástica. Mas nem todas as permutações de algarismos produzem diferença no valor. Trocar o ‘2’ da dezena com ‘2’ da unidade em 22 (vinte e dois) não altera o número. Trocar o ‘3’ do milhar com o ‘3’ da dezena em 3438 (três mil quatrocentos e trinta e oito) também não.
[3] Nem todos os idiomas são lidos e escritos da esquerda para a direita. O árabe e o hebreu, por exemplo, lê-se da direita para a esquerda, e no chinês tradicional o sentido é de cima para baixo. Mas independente da orientação na leitura das palavras, os números são lidos sempre da esquerda para a direita, graças à notação posicional.
[4] Todas as moedas que circulam no mundo têm um número de casas decimais depois da vírgula definida oficialmente. Como o real, quase todas as moedas deixam duas casas após a vírgula. Mas há exceções. As moedas dos países islâmicos Tunísia, Bahrain, Iraque, Kuwait, Líbia e Omã têm três casas depois da vírgula. O caso chinês também é interessante. Um yuan são dez jiao e um jiao são dez fen. O preço de ¥ 1,99 é dito como “1 yuan 9 jiao 9 fen”, e não como “1 yuan e 99 fen”.
[5] Ou, deveria vir sempre com os centavos. Às vezes, eles são omitidos e quando isso acontece, talvez tenhamos que usar o consciente – e portanto, gastar mais tempo – para notar que R$ 400 é maior que R$ 50,00; e que
R$ 30 é igual a R$ 30,00.
[i] Wikipedia – English – Unconscious mind http://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Unconscious_mind&oldid=139727056
Intuition: Die Macht des Unbewussten
http://www.spiegel.de/wissenschaft/mensch/0,1518,479900,00.html
Amazon Books – The User Illusion: Cutting Consciousness Down To Size –
Tor Norretranders – Penguin Press Science
[ii] Penny Wise and Pound Foolish: The Left-Digit Effect in Price Cognition
www.journals.uchicago.edu/JCR/journal/issues/v32n1/320105/320105.web.pdf
[iii] Wikipedia – English – Writing System – Directionality
http://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Writing_system&oldid=142705356#Directionality
[iv] Wikipedia – English – List of Circulating Currencies http://en.wikipedia.org/w/index.php?title=List_of_circulating_currencies&oldid=139749461
University of British Columbia – Currencies of the Word
http://fx.sauder.ubc.ca/currency_table.html
Wikipedia – English – Chinese Renminbi
http://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Chinese_renminbi&oldid=142933291